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sexta-feira, 4 de maio de 2018

AMIGOS IMAGINÁRIOS, HERÓI OU VILÃO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL?


     Durante muito tempo as crianças que criavam "amigos imaginários" foram consideradas solitárias, introvertidas ou, na melhor das hipóteses, filhos únicos em busca de companhia. Na pior delas, vítimas de traumas ou transtornos psíquicos. A culpa também é do cinema, que atribuiu a isso os traços perturbadores do pequeno Danny, filho de Jack Nicholson no filme "O iluminado". A realidade, porém, é mais tranquilizadora. Segundo pesquisa recente na Itália, essas crianças tenderiam a assumir um papel de liderança na sala de aula ou em seu pequeno grupo de colegas. Outros trabalhos indicam que elas seriam mais criativas que as demais. O resultado, porém. é controvertido e há, a refutá-lo, outro estudo recente realizado pela Universidade de Leicenter, Inglaterra. "A imagem da criança solitária e amuada que se refugia no amigo imaginário deve ser desmistificada", explica Tilde Giani Gallino, professora de psicologia do desenvolvimento na Universidade de Turim e autora de livros sobre o tema, como II bambino e i suoi doppi (A criança e os seus duplos, Bollati Boninghieri, 1993).
     As últimas abordagens sugerem que o fenômeno é muito mais difuso do que se pensava. Estudo realizado em 2001 pela Universidade de Leicester com 1800 crianças entre 5 e 12 anos mostrou que 46,2% delas tinham naquele momento ou haviam tido um ou mais companheiros imaginários. Segundo Marjorie Taylor, professora de psicologia da Universidade do Oregon, estados Unidos, e autora de Imaginary companions and the children who create then (Companheiros imaginários e as crianças que os criam, Oxford University Press, 1999), o percentual poderia ser ainda maior: "Não é fácil fazer levantamentos estatísticos sobre um tema tão delicado, mas pensamos que, de cada três crianças com menos de 7 anos, duas têm um companheiro imaginário". 
     Dados de outros países não diferem muito. Da Itália, Gallino informa que, para cerca de um terço das crianças com até 10 anos, o companheiro imaginário é uma realidade importantíssima, enquanto outro terço mantém vínculos menos regulares com várias figuras imaginárias". 
     Trata-se, porém, de uma conduta pouco estudada. "A psicologia científica que se firmou por volta do fim do século XIX não estava preparada para aprofundar um fenômeno tão difícil de quantificar quanto este. Mais tarde as teorias comportamentais se concentraram também no comportamento e na linguagem. Além disso, a imagem negativa que ronda tal fenômeno deve-se, ao menos em parte, ao fato de a psicologia e a psicanálise terem considerado nociva a ideia do duplo, baseadas em estudos de personalidades doentias ou desviantes, ao passo que para a criança este 'duplo' imaginário é um elemento positivo, que a ajuda a construir sua própria personalidade", acredita Gallino.
     Os pais nem sempre compartilham desse otimismo, de acordo com a revista Mente e Cérebro. Taylor explica que "alguns, especialmente os que também tiveram amigos imaginários, orgulham-se da fantasia de seus filhos. Outros, porém, ficam irritados com as dificuldades provocadas: pôr a mesa todos os dias para alguém que não existe ou adiar um passeio porque 'Billy' ou 'Mandy' estão doentes pode criar alguns percalços em família. Muitos pais temem que os seus filhos venham a ter problemas, ser muito solitários ou experimentar dificuldades para se relacionar com companheiros reais". 
     A atitude muda conforme a origem e o nível cultural. Segundo Taylor, o tema foi aprofundado recentemente: "Descobrimos que os pais mais preocupados são os de família culturalmente e socialmente mais modestas. Particularmente incomodados dicam aqueles que professam religiões fundamentalistas, para os quais essas entidades fictícias surgem como um perigoso contato com o mundo dos espíritos malignos". Pesquisadores mostram que na Índia o conceito de "amigo imaginário" não existe e que os pais consideram normal os filhos dialogarem com seres espirituais invisíveis. 
     Com o passar do tempo, a criança sente necessidade de uma relação com um semelhante, alguém igual e ao mesmo tempo outro, com quem discute e se reconcilia. Mas por vezes, as duas figuras assumem papéis um pouco distintos: Tracy Gleason, do Wellesley College, Estados Unidos, entrevistou em 1998 60 crianças de 4 anos. Os resultados mostraram que o "amigo fantasma" representa um coetâneo com o qual se estabelece uma relação de igualdade, enquanto o objeto personificado entra numa relação de subordinação. 
     Segundo os dados coletados por Marjorie Taylor, 27% dos amigos imaginários são representados por crianças "reais", 29% por animais, 17% por crianças dotadas de poderes extraordinários ou mágicos e 12% por pessoas adultas. O restante prefere marcianos, super-heróis, fantasmas ou objetos inanimados. Taylor explica ainda que esse tipo de escolhas é determinado pelo sexo: são principalmente as meninas que criam um amigo imaginário, e os meninos, especialmente em idade pré-escolar, desempenham o papel, "transformando-se em super-herói ou animal feroz e obrigando os pais a chamar-lhes pelo novo nome fantasioso". Gallino acrescenta que "quando escolhem um amigo imaginário, os meninos preferem em geral uma criança semelhante, enquanto meninas tendem a inventar animais, bebês que precisam ser cuidados ou 'príncipes encantados' que as acompanham em mil aventuras, defendendo-as dos perigos". 
     O papel de conselheiro e protetor muitas vezes assumido pelo amigo fictício levou a pensar que se tratava de um comportamento típico de crianças traumatizadas. Mas não é exatamente assim. "É muito provável que uma criança com problemas psicológicos ou que experimentou um trauma crie um amigo imaginário: trata-se de uma situação 'adaptativa', que serve para gerir o problema. Mas isso não significa ser esse companheiro, por si só, um sintoma alarmante", explica Taylor. Ao que Gallino acrescenta: "Basta pensar em como se comportam os adultos: é normal recorrer aos amigos em um momento de crise, mas não é para isto que fazemos amigos. Os amigos imaginários são um modo de exercitar o pensamento e a criatividade, viver aventuras, praticar o diálogo e aprender a assumir o ponto de vista do outro". 
     "A fantasia pode ir bem longe: em um estudo com 37 crianças, 36 afirmaram enfrentar problemas para controlar as ações de seus amigos imaginários. Estamos aprofundando, do ponto de vista cognitivo, a análise deste fenômeno, que pode estar vinculado ao sonho".
     Como se comportar quando chega em casa um "companheiro imaginário" Gallino considera crucial o respeito. "É importante mostrar-se disponível e discreto, aceitando a eventual confidência sem caçoar. As crianças muitas vezes lamentam a intromissão dos adultos e até inventam nomes particularmente fantasiosos ou complicados para seus amigos, tentando assim impedir que estranhos se apropriem deles".
      "Dizer que este amigo não existe é inútil, já que a criança sabe muito bem disso", explica Taylor. "É melhor utilizar a confidência da criança para conhecê-la melhor, aprofundando os aspectos de seu caráter que tendem a permanecer ocultos". 
     Amigos inventados podem viver muito tempo. No passado acreditava-se que esse tipo de experiência terminava na idade pré-escolar, mas sabemos hoje que crianças maiores, adolescentes e até adultos continuam mantendo tais relacionamentos. 
     Se, ocasionalmente, esse amigo da imaginação tem um fim inesperado e traumático- talvez para ser substituído por um personagem mais cativante-, na maioria dos casos ele se limita a sumir, uma vez cumprida sua função. Mas hoje há um inimigo ameaçando a existência deste ser. Gallino adverte que, "nos últimos quatro ou cinco anos, parece estar diminuindo o número dos amigos imaginários. Culpa da televisão e do videocassete, que fornecem imagens e histórias prontas, coloridas e atraentes, dificultando assim o exercício autônomo da fantasia. Uma pena, já que anular a capacidade de imaginação na infância resulta em danos que repercutirão na idade adulta". 

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