A DESCOBERTA DO REFLEXO CONDICIONADO PROPICIA AO RUSSO IVAN PETROVICH PAVLOV O PRÊMIO NOBEL
Pavlov nasceu em Riazan, capital do distrito do mesmo nome na Rússia central, em 1849. Inicialmente interessado no funcionamento do sistema digestivo, cujos estudos lhe renderam o prêmio nobel de medicina e fisiologia, também investigou o sistema circulatório e o sistema nervoso. A descoberta do reflexo condicionado, ou seja, a alteração de uma reação fisiológica por estímulos ambientais, abriu a perspectiva de uma análise experimental do comportamento, com grande repercussão no desenvolvimento da psicologia. Trabalhou ativamente até a morte, aos 87 anos.
Filho de um sacerdote ortodoxo russo, Ivan Petrovich Pavlov frequentou até os 20 anos uma escola da igreja e depois o seminário local, ambiente de grande liberdade intelectual. Em sua Autobiografia recordaria esse tempo "com um sentimento de gratidão", comparando o ensino adotado ali com a atmosfera fechada e autoritária das instituições públicas. Em 1870, depois de completar 21 anos, ingressou no departamento de história natural da faculdade de ciências da Universidade de São Petersburgo, onde optou por estudar fisiologia animal e química. Durante quase seis anos, recebeu sólida formação teórica em fisiologia e vasta experiência no trabalho de laboratório, já orientando seus estudos às funções reguladoras do sistema nervoso.
Após conseguir o título de candidato em ciências naturais, Pavlov matriculou-se no curso da Academia Médica Militar de São Petersburgo. Seu objetivo não era se tornar médico, mas obter o título de doutor em medicina, "indispensável para aspirar a uma cátedra de fisiologia, embora considerasse inverosímel a ideia de chegar a ser professor", segundo suas próprias palavras. Em 1878, encarregou-se do laboratório fisiológico da clínica dirigida por Serguei Petrovich Botkin, então principal figura russa da chamada medicina de laboratório, baseada sistematicamente na pesquisa experimental. Dois aspectos da mentalidade médica de Botkin reforçaram a orientação de Pavlov como pesquisador: o enfoque ambientalista e o que ele chamou de "neurismo": a inclinação a estender a influência do sistema nervoso ao maior número possível de processos orgânicos.
Em 1883, apresentou sua tese de doutoramento "Sobre os nervos eferentes do coração", parte de seus estudos sobre o influxo nervoso "na aceleração, retardamento, enfraquecimento e fortalecimento do coração".
Após ser nomeado professor auxiliar de fisiologia, recebeu uma bolsa para completar sua formação na Alemanha. De 1884 a 1886 esteve no Instituto de Ludwing, em Leipzig, naquele tempo a meca da fisiologia internacional, e também no de Breslau, dirigido por Rudolf P. H. Heidenhain.
Pavlov dispunha de escassos recursos. Chegou a dormir no laboratório para economizar o aluguel de um quarto e, após seu casamento, teve de recorrer ao irmão Dimitri, ajudante de Mendeleiev. Sofreu também com a morte de seu primeiro filho, com poucos dias de vida, causada em parte por sua precária situação econômica.
Em 1890, tornou-se titular da cátedra de farmacologia da academia Médica Militar de São Petersburgo e um ano depois foi encarregado de dirigir a seção de fisiologia do recém-fundado Instituto de Medicina Experimental. Cinco anos depois passou a ocupar a cátedra de fisiologia da academia. As novas circunstâncias permitiram-lhe colocar plenamente em prática as novas técnicas de pesquisa seguindo seu pressuposto metodológico fundamental, que consistia em estudar de modo integrado as funções orgânicas em condições biológicas as mais próximas possíveis das normais.
Se a pesquisa das funções digestivas conduz à dos reflexos condicionados, a necessidade de diferenciar a profusão de fatores presentes numa situação complexa obrigou Pavlov a completar as instalações de seu laboratório com a chamada "torre de silencio". Construída em 1910, o local tinha iluminação sempre uniforme, era exterior e rodeado por um fosso cheio de palha.
Embora tivesse iniciado seus trabalhos sobre as funções digestivas em 1879, foram as investigações realizadas durante os anos 1890 no laboratório do Instituto de Medicina experimental com o novo método que levaram a uma série de contribuições de primeiro nível, ainda vigentes na fisiologia atual. A mais importante de suas técnicas originais foi o célebre "pequeno estômago", operação complicada e longa que exigia 200 pontos de sutura. Até conseguir praticá-la com êxito (1894) teve de sacrificar 30 cães, sem desanimar com as críticas de outros professores.
Três anos depois, Pavlov uniu a técnica do pequeno estômago a uma secção na terça parte superior do esôfago, colocando os extremos numa abertura da pele do pescoço. Com este procedimento de "comida fictícia", mas, ao deglutí-los, eles saem pelo orifício do pescoço e não chegam ao estômago. Ambas as técnicas tiveram importância decisiva tanto no terreno da fisiologia digestiva quanto no dos reflexos condicionados.
Pavlov destacou a adaptação das glândulas digestivas ao tipo de alimentação. O reflexo da saliva constituiu o exemplo paradigmático dessa adaptabilidade, já que logo pôde demonstrar que a quantidade e as qualidades físicas e químicas da saliva secretada dependem das da substância que inicia o reflexo.
É costume considerar, na atividade científica de Pavlov, o começo do século XX como um marco que separa o período dedicado à fisiologia digestiva daquele consagrado aos reflexos condicionados e à atividade nervosa superior.
A formulação do conceito de reflexo condicionado e sua elevação ao primeiro plano foram antes uma continuação dessa trajetória.
Tudo isso fica claro na conferência "A psicologia e a psicopatologia experimental nos animais", proferida no Congresso Internacional de Medicina em Madri, em abril de 1903, sua primeira exposição do conceito de reflexo condicionado. Depois de afirmar a máxima eloquência da "linguagem dos fatos", anunciou aos congressistas que ouviram "como um fisiologista passara de questões puramente fisiológicas ao terreno dos fenômenos chamados psíquicos. Esse passo, mesmo tendo sido inesperado, produziu-se de forma completamente natural e, o que é mais importante, sem mudança de princípio metódico".
Foi também quando formulou pela primeira vez o conceito de reflexo condicionado. "Em sua forma fisiológica, nossa experiência, salvo casos excepcionais, conduz sempre ao mesmo resultado. É um reflexo absoluto.
Um ano depois, na conferência proferida ao receber o prêmio Nobel, Pavlov voltou a se referir aos reflexos condicionados, insistindo em que "desejamos continuar sendo fisiologistas e não nos tornar psicólogos". Durante a década seguinte dedicou-se com a habitual dedicação às pesquisas.
Apesar das duras circunstâncias da guerra civil, não interrompeu suas pesquisas em laboratório até 1920, quando Lenin redigiu uma carta para o Soviete de Petrogrado louvando a figura e a obra de Pavlov no contexto do novo regime. A principal síntese de sua obra foi "lições sobre a função dos grandes hemisférios (1927)", rapidamente traduzida para o alemão, francês, inglês e espanhol.
Durante o mesmo período, foi adotada na doutrina "oficial" do mundo acadêmico americano o condutismo de John Watson (1914), posição positivista radical para "liberar" a psicologia de sua tradição filosófica. Sem reconhecer, até a década de 20, as pesquisas de Pavlov, Watson tentou aproveitá-las para fundamentar seu behaviorismo, mas sem saber assimilar de forma rigorosa as contribuições neurofisiológicas de seus seguidores.
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